domingo, 29 de abril de 2007

Até ao Liceu

Inevitávelmente, a escola tinha que surgir. 6 anos. O meu irmão João já lá andava. Escola 30, Estilo Plano Centenário, num longo quintalão ( Benguela era o paraíso dos quintalões) cheio de árvores centenárias, em frente ao prédio do Tantan e da vivenda do Machado, com a traseira virada para a antiga avenida Gago Coutinho. A Escola 30 tinha meninos pobres: muitos negros, mais mulatos e brancos poucos. Escola só para rapazes. Primeiro professor, o professor António segundo e última, a professora Aida. Chorei baba e ranho quando a minha mãe me deixou lá, para fazer a primeira classe.
(O Matrindinde servia para nós como brincadeira:

rebocava as caixas de fósforos e fazia corridas foto do Pinhão)
A turma tinha muitos alunos divididos em dois grupos: 1ª e 4 classe. Depressa aprendi a venerar os intervalos, lugar de grande competição e de fraternidade. Ninguém comia o lanche sem partilhar. O não cumprimento, correspondia a uma " bábula" sem fuga: ficavas sem lanche.
Brincadeiras mil: paus de sorvete, carteiras de fósforos com caricaturas de jogadores jogados da parede. O prego, a bilha e a uéla. Corridas de cisnas (caricas) em circuitos escavados na terra. Canhé. Sóis. Todas as brincadeiras copiadas ou imaginadas. Bom faltava uma: jogos de futebol com bola de meia. Os colegas foram centenas. Na minha memória ficaram: o Olavo, o Reigadinha, o Sardinha ( o preto mais branco de Benguela) os Mafras, os Manitas, o Bonfim, o Wilson Santos ( esse mesmo da Unita), o Jordão ( do futebol) os Caotas ( Rui e Carlos) o Tito Marcolino...
Dois episódios marcaram
a minha memória da escola 30 - Um: à saída com a obrigatória bata branca e sacola feita de ganga, ía num grupo, junto às ruínas do cinema Pires, um dos que vinham atrás grita eu viro-me e apanho com uma pedrada que me rasgou a pele entre o olho e a cana do nariz. Rapidamente fiquei cheio de sangue e logo o meu irmão me enrolou a bata à cabeça e lá fui quase a desmair a pé até ao enfermeiro que ficava junto da Casa Branca. Cosido, lá fiquei à espera que o meu pai me fosse buscar. Morava em frente à congeladora do Borges.
Outro: Também à saída da Escola. 1961. Saímos já com o céu das seis horas carregado de nuvens profundamente azuis escuras. Quando passamos pelo Café Porto, começam as faíscas e os trovões a soar de uma forma aterradora. Começamos a correr e agarramo-nos à volta de uma árvore grossa que
ficava junto à Fazenda Pública, em frente da Tropicália. O polícia sinaleiro tinha já saltado da peanha e gritou-nos para saírmos debaixo da árvore rapidamente. A chuva começou a cair ferozmente e corremos para a Alfaiataria do Sampaio. Atravessámos entretanto a avenida 5 de Outubro já com água até ao lancil passeio. Estivemos por lá até tarde à espera que o nosso pai conseguisse vir buscar-nos. A Avenida era um rio, com água a roçar a porta da alfaiataria.





Uma das minhas moradas durante a infância (1º andar frente direito) em frente ao Portugal de Benguela foto da Yola)
Feita a terceira classe. Segui a tradição familiar: Velha Cló.Vou precisar: Colégio Paula Vicente na avenida 5 de Outubro ao lado da Câmara Municipal e em frente a um jardim monumental. Ali sentei-me pela primeira vez numa carteira com uma menina - a Lassalete - uma cabritinha que me ajudava nas contas. Como eu sofri com a Velha Cló. Dado curioso: já tinha sido professora da minha mãe e do meu irmão mais velho. Quase me matou de tanta reguada, chapada, castigo de joelhos em cima de areia. Sábados à tarde e quantos Domingos de manhã. Tudo isto à conta da Matemática. Os miúdos da velha Benguela conheciam a velha. Quando passavam nunca se esqueciam de gritar: Velha Culóóó! Gaióóóla! ( desses miúdos lembro-me de um: o Pinheiro "Coringa").

Disso resultou que passei na aptidão ao Liceu e Escola Industrial e Comercial. Feito no Cabo Submarino. Continuei a detestar a Matemática e... fui para o Liceu.
Outra onda começava a formar-se...

6 comentários:

maria disse...

Adorei este site de Benguela

Um linguajar simples e belo , como o de todo o Benguelense.
Relembrei tudo com exatidão, e até reconheci o saparalo de esquina , perto do Portugal , do Bibezinha..... onde andará!
Fico á espera de mais !agora do Liceu sou da fundação.

Un abraço Sá Pinto
g, peyroteo

GED disse...

Vou passando por aqui.
Afinal, Benguela e o Lobito, são dos mais bonitos arredores que o Cubal tem!!!
Um abraço
GED

Anônimo disse...

Estive em Benguela em Junho deste ano e fiquei com bastante pena que o Colégio da "Velha Cló", Sra. D. Clotilde já não existe, assim como a casa do Dr. Barca e a Casa da Beca Mendonça (estando o terreno vago, não sabendo o que ali vai ser construído), o Tamariz, o Costa Júnior, também já não existem, construiram novos prédios, sinais do tempo, mas gostei imenso de estar na Praia Morena, a beber uma Cuca na esplanada do Porta Aviões que está muito bonita. Maria Koringe

Anônimo disse...

Estive em Benguela em Junho deste ano e fiquei com bastante pena que o Colégio da "Velha Cló", Sra. D. Clotilde já não existe, assim como a casa do Dr. Barca e a Casa da Beca Mendonça (estando o terreno vago, não sabendo o que ali vai ser construído), o Tamariz, o Costa Júnior, também já não existem, construiram novos prédios, sinais do tempo, mas gostei imenso de estar na Praia Morena, a beber uma Cuca na esplanada do Porta Aviões que está muito bonita. Maria Koringe

Anônimo disse...

Benguela Linda, a "Cidade das Acácias Rubras",dos poemas da Grande Poetisa Alda Lara, cidade dos quintalões, dos matrindindes, sape-sape, fruta pinha, das hortas do Vale do Rio Cavaco, das pescarias, Praia Morena, Baía Azul, Caota, Caotinha, Praia o Alexandrino, do Sombreiro, da Baía Farta, Benguela, minha Benguela linda,de mil encantos, "eu estou aqui, mas dentro de mim eu estou aí". Saudações Benguelenses. Maria Koringe

José Olavo Lima disse...

Foi forte Henrique 😅🤣