sábado, 8 de março de 2008

Na Guiné-Bissau, com o Dr. Mário Pinto de Andrade.



(foto in blogue dos meus ex-colegas Fernando Alves e Leston Bandeira, este último esteve comigo na Guiné, como correspondente da Lusa, creio eu)

Neste país, onde fomos cooperantes de 1979 a 1983, tivemos várias aventuras.
Uma que vamos contar começou com o convite feito pela Comissária de Estado Maria da Luz Boal, que a pedido do Comissário de Estado da Cultura, Mário de Andrade (nosso compatriota) nos pedia para acompanharmos uma delegação da Universidade de Dakar em prospecção de concheiros do Neolítico. Essa delegação era composta por um arqueólogo Senegalês e uma historiadora francesa. A razão do convite tinha a ver com o facto de não haver na Guiné (ainda) qualquer arqueólogo e nós por trabalharmos no Gabinete de Estudos e Orientação Pedagógica, apesar de estrangeiros ( embora fossemos considerados da casa).
O Encontro deu-se uma bela manhã em casa do Comissário Mário Pinto de Andrade que ficou encantado de sermos angolanos, enfiado no seu bubu azul, tipo túnica bordado como era costume entre os fulas ou mandingas. Teve a pachorra de ouvir a nossa história de como chegamos à Guiné, depois de declinarmos um convite/promessa para bolseiros na Universidade de Rennes, para um D.E.A..
Lá fomos apresentados por ele à equipa dos quais só me lembro da francesa Catheryne, esqueci-me do nome do arqueólogo e historiador, curiosamente, especialista segundo disse, em canhões e armamento portugueses do século XV e XVI (curioso, um Djolof com esta especialidade). Lembro-me que de Angola só nos perguntou de onde éramos e onde tínhamos estudado (percebi porque se mantinha em silêncio sobre a terra) e tivemos o bom senso de também não falarmos de Angola, embora estivesse a dada altura quase compelido a dizer-lhe que simpatizava com a causa e com as pessoas da Revolta Activa. Falamos de literatura africana, da História de África e da necessidade de avançar com a arqueologia na Guiné, convidando-nos a apresentar um plano à sua lugar-tenente Iva Cabral, filha do seu companheiro de guerra Amílcar, então Directora Cultura.
Depois de uns sumos de calabasseira (a nossa múkua) refrescantes tomados no alpendre de sua casa bem modesta, onde tinha hospedado a equipa senegalesa, fartou-se de contar histórias sobre as makas dos países africanos, das quais retenho uma muito curiosa.

Contou-nos a sua experiência quando foi representar a Guiné-bissau no X Congressso Pan Africano da Cultura, realizado em Lagos. A história foi mais ou menos esta: no aeroporto o chefe do protocolo começou por lhe dizer ao ouvido para se dirigir à casa de banho para guardar a carteira junto às cuecas. Espantado e não querendo ser indelicado, decidiu-se a perguntar se se tratava de algum costume protocolar. A resposta fora simples e bem pragmática: “Senhor Ministro” dizia o zeloso oficial: “Lagos tinha um problema que ainda não tinham conseguido resolver - o roubo”. Incrédulo, contou a rir, insistia então na tentativa de não aceitar o convite, perguntando-lhe que faziam então os seguranças Ibos que tinham sido colocados à disposição. A resposta, segundo disse, tinha sido mais pragmática: é que não podia assegurar que eles se contivessem em não lhe ficar com a carteira e assim, de mãos a abanar, seria muito mais seguro, na melhor das hipóteses, ficar com a carteira intacta ou na pior, poder andar com a cabeça em cima do pescoço. Mário acabou por aceitar então uma bolsa em tecido com uma fita para amarrar à cintura, onde colocou a carteira, debaixo do bubu, como todo o mundo.
Deixamos a casa do Comissário de Estado, fora a última vez que o vimos, apesar de termos várias vezes com entrevista marcadas e sempre adiadas porque sucediam sempre coisas à última da hora. Esclareço que não era porque vida de um ministro da cultura fosse muito preenchida, mas porque Mário de Andrade estava sempre e inesperadamente, a ser convidado por várias entidades para se deslocar para todo o mundo, não para tratar especificamente de matérias do Estado Guineense, mas para tratar de assuntos que lhe eram queridos: a cultura africana, a poesia e a literatura. Viria a ser depois Alto funcionário da Unesco). Lembro-me que enquanto foi comissário nunca vi na Guiné tantas iniciativas culturais: Saraus de balet da China, ciclos de cinema de vários países, exposições de arte...

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